Research Brief
Mobilidade intergeracional em Moçambique

O ‘elevador social’ está avariado?

Um estudo recente fornece novas perspectivas sobre a mobilidade social intergeracional em Moçambique, com foco na educação e ocupação, bem como no bem-estar multidimensional e subjectivo. Esta análise acrescenta uma perspectiva importante às avaliações nacionais existentes sobre pobreza e bem-estar. Embora haja progresso, o estudo destaca barreiras persistentes à mobilidade.

Quase metade dos entrevistados experimentou a mobilidade ascendente na educação, ultrapassando o nível de escolaridade dos seus pais. No entanto, a falta de mobilidade é particularmente prevalente entre aqueles cujos pais não tiveram educação formal.

A mobilidade ocupacional é mais limitada, com dois terços dos entrevistados permanecendo em categorias ocupacionais semelhantes às dos seus pais. A transição da agricultura para trabalhos fora do sector agrícola é particularmente limitada, reflectindo fragilidades na transformação estrutural da economia.

Observa-se mobilidade ascendente no bem-estar multidimensional e subjectivo, embora haja disparidades regionais marcadas.

Os determinantes da mobilidade ascendente variam significativamente entre dimensões. As mulheres têm menor probabilidade de experimentar mobilidade ascendente na educação e na ocupação, enquanto os efeitos das condições da infância são mistos. Factores espaciais são determinantes significativos da mobilidade na maioria das dimensões.

O estudo sobre mobilidade intergeracional em Moçambique baseia-se em novos dados sobre educação, ocupação, bem-estar multidimensional e subjectivo, obtidos por meio de um inquérito recente junto a agregados familiares vulneráveis nas províncias de Maputo, Zambézia, Sofala e Nampula — o Inquérito sobre Vidas Vulneráveis (Vulnerable Lives Survey, VLS) 2024. A pesquisa recolhe informações demográficas e socioeconómicas detalhadas, incluindo dados retrospectivos sobre os antecedentes educacionais e ocupacionais dos pais dos entrevistados.

Isto permite examinar as dinâmicas de mobilidade entre gerações e analisar a influência das características dos agregados familiares nesses resultados a nível individual. Os resultados fornecem evidências para a formulação de políticas destinadas a quebrar os ciclos de pobreza intergeracional.

A análise da mobilidade social com base no VLS compara a situação auto-reportada de indivíduos nascidos antes da independência (ou seja, com 40 anos ou mais no momento da colecta de dados) com o status socioeconómico de seus pais. Isso permite focar na comparação de resultados na idade adulta entre essas duas gerações e estabelecer uma base para pesquisas futuras sobre os impactos de longo prazo dos choques económicos para a mobilidade intergeracional.

Progresso fragmentado na mobilidade intergeracional

A mobilidade educacional mostra um progresso significativo em Moçambique, com quase metade (44,4%) dos entrevistados ultrapassando a escolaridade de seus pais. No entanto, a imobilidade persiste, especialmente entre aqueles cujos pais não tiveram educação formal e entre as mulheres.

Em contrapartida, a mobilidade ocupacional é menos comum, com quase dois terços (65%) dos entrevistados permanecendo no mesmo nível ocupacional dos seus pais. Além disso, apenas 15,2% experimentam mobilidade ascendente, enquanto cerca de 20% enfrentam mobilidade descendente. Ter pais agricultores está associado a uma imobilidade pronunciada — 58,4% dos indivíduos entrevistados são agricultores e cresceram em famílias onde a agricultura era também a principal ocupação (ver Figura 1).

A transição intergeracional da agricultura para actividades fora do sector agrícola é rara, com apenas 10,7% dos entrevistados encontrando uma ocupação diferente da dos seus pais. Ademais, a percentagem de entrevistados na agricultura aumentou moderadamente em relação à geração anterior (75% contra 69,1%). Esses resultados destacam desafios persistentes, indicando que a mobilidade educacional não se traduz automaticamente em melhores resultados ocupacionais. Isso reflecte uma fraca transformação estrutural da economia e um crescimento limitado das oportunidades de emprego não agrícolas (e dignos) em Moçambique.

Figura 1: Diagrama de Sankey: fluxo da conquista ocupacional entre pais e entrevistados (%)

figura 1

Nota: O gráfico mostra o movimento dos indivíduos (lado direito) entre categorias ocupacionais em relação às categorias dos seus pais (lado esquerdo). A largura de cada fluxo corresponde à percentagem de indivíduos que transitaram de uma categoria para outra.

Diferenças regionais no bem-estar

A mobilidade intergeracional no bem-estar multidimensional, medida pelo Índice de Pobreza Multidimensional (MPI) — também utilizado nas Avaliações Nacionais de Pobreza — mostra melhorias significativas, com cerca de 60% dos entrevistados que cresceram em agregados familiares pobres na infância agora vivem em agregados familiares não pobres. No entanto, a mobilidade ascendente é muito mais pronunciada no Sul (quase 80%), em comparação ao Norte e Centro (cerca de 45%). Isso indica que a pobreza multidimensional é muito mais persistente nessas regiões.

A mobilidade subjectiva, baseada nas auto-avaliações dos entrevistados usando quatro tipos de agregados familiares, também revela uma forte mobilidade ascendente, com mais da metade (54,8%) da amostra relatando melhorias intergeracionais. No entanto, as disparidades regionais seguem um padrão semelhante ao da mobilidade multidimensional.

Um desenvolvimento bem-sucedido e sustentável está associado a altas taxas de mobilidade social intergeracional. Em Moçambique, embora o ‘elevador social’ não esteja avariado e tenham sido feitos avanços significativos na educação e no bem-estar, a mobilidade ocupacional fraca indica que mais deve ser feito para melhorar as oportunidades e reduzir a privação.

A fraca associação entre o nível educacional e a mobilidade ocupacional sugere que os esforços contínuos para melhorar o acesso à educação e sua qualidade devem ser acompanhados por iniciativas para estimular a criação de empregos, especialmente incentivando a procura tanto pela mão-de-obra qualificada assim como pela não qualificada.

É fundamental promover uma transformação estrutural ampla para criar caminhos que possibilitem a saída da agricultura de subsistência e das ocupações de baixo nível.

Abordar as disparidades de género assim como as regionais também é essencial para aumentar a mobilidade social.

Determinantes e relações entre as dimensões da mobilidade

O estudo investiga os determinantes da mobilidade ascendente nas quatro dimensões analisadas (educação, ocupação, bem-estar multidimensional e bem-estar subjectivo) através de uma regressão de uma variável que indica mobilidade ascendente em factores demográficos e geográficos chave, bem como características das famílias de infância dos participantes.

O género desempenha um papel significativo na mobilidade ascendente na educação e ocupação, com as mulheres apresentando menor probabilidade de experimentar mobilidade ascendente. O papel do género do respondente é menos claro na mobilidade multidimensional e subjectiva. Dinâmicas do agregado familiar na infância também influenciam a mobilidade: crescer num agregado familiar liderado por uma mulher está positivamente associado à mobilidade educacional, enquanto factores como poligamia e morte materna são barreiras, porém não afectando significativamente a mobilidade ocupacional. Geograficamente, os entrevistados do Centro e do Sul têm menos chances de experimentar mobilidade ascendente na educação. No entanto, os entrevistados do Sul apresentam resultados significativamente melhores na mobilidade multidimensional e na subjectiva.

As associações entre resultados de mobilidade segundo as diferentes dimensões são limitadas. As correlações indicam uma falta de associação, especialmente entre mobilidade educacional e ocupacional, que apresentam uma correlação próxima de zero. Esse desajuste destaca possíveis incompatibilidades entre a educação e as circunstâncias do mercado de trabalho. A única excepção parcial é a correlação entre a mobilidade no bem-estar multidimensional e no bem-estar subjectivo que indica que melhorias na pobreza multidimensional estão de certa forma alinhadas com as percepções individuais de bem-estar.